quarta-feira, setembro 23, 2009

Ouvir... Dá que falar!








Assistia-lhe toda a razão. Sempre, leia-se. E por isso o que lhe chegava aos ouvidos nunca era escutado. Nem dos que lhe eram amigos. Os avisos deles, camuflados, muito menos. Enchia, como tal, os outros com a sua verdade, que assumia única. Não conhecia a humildade, não lhe cabia em todo o saber, apesar de tantas vezes, em tantos anos, os amigos o tentarem chamar a uma outra razão. Mas procurava-os, para que o ouvissem, invadido cegamente por uma auto-suficiência nada pedagógica, que paradoxalmente o empurrava para o convívio, para o contacto com outras pessoas.

- Então diz-nos lá, ó auto-suficiente, onde é que existes sózinho, – Perguntava-lhe o amigo de eleição, interrompendo muitas das suas oratórias – se passas o teu tempo numa busca incessante de ouvidos?
- Ora, falo para quem me quiser ouvir! – Ripostava, alheio de que era ele quem procurava receptor, nos que não buscavam nele emissor.
E chegou o dia em que os ouvidos dos amigos se fecharam, como os seus sempre estiveram, através do silêncio para com ele.
Foram vários os dias em que acompanhado pelos de sempre, se sentiu dolorosamente só. Procurou então o amigo, o de eleição, que lhe disse:
- Nunca nos ouviste as palavras, numa razão que anda a par com a tua, afinal estamos a comportar-nos como querias, sinceramente não sei de que te queixas. Mas vai pensando, ó sábio, agora que estranhas o silêncio que exigias, que talvez a ausência de argumento faça maior prova de razão.

E foi esse o seu primeiro dia, em que com duas orelhas e apenas uma boca, começou a ouvir mais e a falar menos.

7 comentários:

  1. E eu que pensava que as duas orelhas eram para a esterofonia. Que tivessem sido uma premonição para os prazeres que hoje disfrutamos... Bom ponto de vista Gemini, não que te seja novidade. Recordo que já tinhas referido essa ideia, mas aqui está com contornos mais minuciosos.

    E até pensei que falavas de mim. Mas a minha desculpa, na minha procura de ouvintes, é outra. Ouvi tanto tempo, e ainda ouço, mas nada escuto se não falar.

    Tenho uma vantagem: a minha oralidade é muito má. E uma desvantagem: os ouvidos não são grande coisa.

    Tenho assim que atamancar o que ouço e exercitar bastante o que digo.

    Ah, pois... os amigos... Esses, são para as ocasiões.

    Abraço!

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  2. Se calhar, é por alguma razão que temos 2 orelhas e apenas uma boca. Até consigo pensar numa boa meia dúzia de razões para isso :), mas para o que interessa agora, é bem verdade que se aprende mais a ouvir do que a falar.

    Há pessoas que se julgam donas da razão. que sabem tudo, para eles e para os outros. Até pedem opiniões, às vezes, mas não as escutam verdadeiramente. O objectivo é alimentarem o ego com as opiniões idênticas (eu até já sabia isso) e ignorarem as contrárias. Assim como não escutam os outros e os seus problemas.

    Eu, confesso, falo muito! Mas também ouço muito. Julgo que essa é uma das caracteristicas em mim de que mais gosto. Quando estou a ouvir alguém, estou a ouvi-la mesmo, e não apenas a fazer-lhe o favor. Mesmo que por vezes não tenha capacidade para a ajudar a encontrar soluções.

    Saber ouvir é uma arte.

    Beijinho, Gemini

    Se eu já falo que me farto, imagina se tivesse duas bocas!!

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  3. Olá CybeRider!

    Tu serás dos que melhor sabem ouvir! E ainda que os teus ouvidos não sejam grande coisa, terá sido um exercício que aperfeiçoaste de forma singular, durante a tua "viagem". Ainda o farás...

    E depois falas, com a qualidade que te é reconhecida. Que na minha opinião, é justamente consequência do modo singularmente brilhante com que serás capaz de ouvir!

    Um abraço!

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  4. Olá Nirvana,

    Tudo resumido no teu segundo parágrafo! O texto fala de um desses. Mas aquele aprendeu, o que faz com que não tenha chegado a errar!

    (Ouvi há dias numa novela da SIC que, na India, costuma dizer-se que quando morre uma pessoa idosa, desaparece uma "biblioteca inteira!! Pois eu acrescento que (quase) só os ouvidos poderão herdar tamanha fortuna!!!)

    Dizes que falas muito. Falar, Nirvana, é um exercício excelente, mais para
    quem sabe ouvir...

    Um beijinho!

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  5. Um presentinho para ti lá no meu cantinho.

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  6. ... é uma arte, Mimanora, como tão bem diz a Nirvana!

    Saber ouvir é mesmo uma arte! É uma chave que poderá abrir muitas, muitas portas!

    Um beijinho.

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A "ler" é que a gente se entende.