terça-feira, setembro 29, 2009

Acorda, Bambi! *










A dormir. Era como andava. Com os seus olhos azuis abertos. De resto, a única coisa verdadeiramente clara na sua cabeça.

Saía cedo para o trabalho e tarde chegava, vindo dele. No início era o trabalho, que o afastava dela, que o afastava deles. Ela era a esposa de sonho, do dele, que todo o homem quer. Com umas costas largas, assim do tamanho da cama, aquela onde já mal se cruzavam. Ela compreendia-lhe o madrugar para o emprego. Coincidência ou não, a promoção tinha surgido com o casamento. Como num inicio quase tudo são rosas, o casamento também o é. Então ele pôde contar com o apoio dela, para se entregar de corpo e alma, mais de corpo, ao seu novo cargo. Ele sempre pudera contar com ela, mais do que ela com ele, durante o período de experiência que é o namoro, antes de assinarem o contrato que é o casamento. Um contrato onde se incluem de forma estranhamente consciente, clausulas que não se vão cumprir.
E durante muito tempo também lhe compreendeu o serão, para o trabalho. – Se fosse ao contrário, a posição deles, de certo que ele também compreenderia.
Mas o madrugar dele tornou-se mais pesado, mais difícil ao fim de uns tempos. Por consequência mais tardio. Foi na altura em que, para casa, levava cravado na roupa um intenso cheiro a tabaco e se deitava com um forte bafo a álcool. Isto veio a trazer-lhe solidão ao acordar. Na cama estava só ele de manhã, mas isto nada lhe disse. Durante meses, a hora de deitar dele foi o despertador dela. Até que chegou a noite, a primeira, em que já não se deitou naquela cama. A cama onde ele já não lhe iria despertar a dor.

Os serões de trabalho há muito que terminavam num bar. Ou noutro. Se nas primeiras vezes lhe era politicamente correcto acompanhar os novos colegas, da direcção da empresa, num copo social, agora era ele quem convidava. E em algumas ocasiões chegava mesmo a ir sozinho. Agora ainda mais. Porque a sua esposa, agora, já não era sua mulher.

Ela adora flores. Há quanto tempo não lhe ofereço flores?... – Pensou – O que tenho eu andado a fazer?...

Deu ordens à Secretária de Direcção para que encomendasse um belo ramo de rosas. Sabia ir ser difícil o perdão. Preparou-se para o não.

Chegou cedo a casa nesse dia. Mais cedo do que o cedo que seria se chegasse à hora normal de saída do emprego. A ansiedade canalizou-lhe toda a concentração para aquele momento. Não a encontrou no lar. Não só por aquele tecto já não o ser, mas porque ela não estava. Ainda a procurou, por todas as divisões, encontrou-lhe o telemóvel que concluiu esquecido. No instante em que lhe pegou sentiu um aperto dentro do peito. Algo lhe disse num segundo que haveria ali algo que não iria gostar de ver. Resistiu um minuto. Nunca se tinham feito nada parecido. Nunca houvera motivos para desconfiarem um do outro. Mas antes de desbloquear o teclado do aparelho, vislumbrou de relance, tal como tinha feito nessa tarde, o seu comportamento dos últimos meses. Não gostou do que viu na sua mente. Sabia que não ía gostar do que ía ver no celular.

Acedeu às mensagens, onde pôde ler um: " Às 16h e 30m, fofinha. Apanho-te às 16h e 30m. E reclamarei então o beijo que te dou agora. Até logo."

Sentou-se. Na cama onde nunca se deitaram juntos. Desapertou o nó da gravata. O da garganta não conseguiu desfazer. O seu comportamento vinha sendo inqualificável, mas não a traíra. Não com uma relação paralela, não com outra pessoa, outro amor.

Deixou tudo como encontrou. Iria sair sem que se notasse que havia estado em casa. Iria simular um regresso em tudo igual aos dos últimos meses. Em tudo menos no bafo a álcool e no odor do tabaco na roupa. Colocou-se estrategicamente para que, ao vê-la chegar, ela não o visse. Foram horas que pareceram dias. Mas ela chegou. Num carro de um ele que não conhecia. E viu um beijo de que já esquecera o sabor. Ela entrou em casa. Ele entrou em desespero.

Conduziu para longe. Dos bares, principalmente. Queria falar com ela sóbrio, mas com o sangue temperado. Não sabia se ele lhe gelava ou lhe fervia nas veias.

A luz da reserva acendeu. Atestou o depósito e seguiu para casa. Ela estava deitada, já. No quarto que fez só seu. Perante a falta de coragem para a acordar, recorreu à caneta e ao papel. Por vergonha. E deixou o bilhete na mesa da cozinha, bem junto ao ramo de rosas.

"Todo eu sou uma vergonha. Não te mereço, não sou digno de ti. É todo teu o direito ao divórcio. Dar-to-ei sem criar problemas porque vi no teu beijo desta tarde que é o que desejas e o melhor para ti.
Sê feliz, minha querida que não soube amar. Perdoa-me por me teres traído
."



*Pode interpretar-se o título como: “A corda bamba”.

sábado, setembro 26, 2009

More Than Words


Esta beleza foi oferta da Nirvana!


1 - Quem mais gostas de abraçar, no presente:
- Os meus irmãos.
2 - Quem nunca abraçarias:
- Quem nunca me abraçasse.
3 - A quem davas tudo para poder abraçar:
- À Guigui.
4 - A quem davas o teu melhor abraço:
- Só tenho esse, a quem me abraçar.
Só porque um gesto, tal como uma imagem, vale por mil palavras, ofereço este mimo à Carla. Porque às vezes é preciso!
OBRIGADO Nirvana!

quarta-feira, setembro 23, 2009

Ouvir... Dá que falar!








Assistia-lhe toda a razão. Sempre, leia-se. E por isso o que lhe chegava aos ouvidos nunca era escutado. Nem dos que lhe eram amigos. Os avisos deles, camuflados, muito menos. Enchia, como tal, os outros com a sua verdade, que assumia única. Não conhecia a humildade, não lhe cabia em todo o saber, apesar de tantas vezes, em tantos anos, os amigos o tentarem chamar a uma outra razão. Mas procurava-os, para que o ouvissem, invadido cegamente por uma auto-suficiência nada pedagógica, que paradoxalmente o empurrava para o convívio, para o contacto com outras pessoas.

- Então diz-nos lá, ó auto-suficiente, onde é que existes sózinho, – Perguntava-lhe o amigo de eleição, interrompendo muitas das suas oratórias – se passas o teu tempo numa busca incessante de ouvidos?
- Ora, falo para quem me quiser ouvir! – Ripostava, alheio de que era ele quem procurava receptor, nos que não buscavam nele emissor.
E chegou o dia em que os ouvidos dos amigos se fecharam, como os seus sempre estiveram, através do silêncio para com ele.
Foram vários os dias em que acompanhado pelos de sempre, se sentiu dolorosamente só. Procurou então o amigo, o de eleição, que lhe disse:
- Nunca nos ouviste as palavras, numa razão que anda a par com a tua, afinal estamos a comportar-nos como querias, sinceramente não sei de que te queixas. Mas vai pensando, ó sábio, agora que estranhas o silêncio que exigias, que talvez a ausência de argumento faça maior prova de razão.

E foi esse o seu primeiro dia, em que com duas orelhas e apenas uma boca, começou a ouvir mais e a falar menos.

sábado, setembro 12, 2009

O Texto Sentido



Retirou os rascunhos do cesto. Temeu que ele os visse e lhe descobrisse a intenção. Concluíra que ainda não era hora, e, assim-como-assim, o original estava já devidamente guardado, para quando se lhe tornasse oportuno.
Os dias, há já muitos dias, que se lhe acabavam de forma precoce. Havia ainda luz, em muitos deles, quando naquele verão, se começou a retirar para o quarto, no que ele sofria ser, não o desenho do início do fim, antes os retoques, os finais, num quadro que há muito se pintava.
O jantar, o dessa noite, preparado em comum, partilhou também silêncio. Mais um silêncio. Afinal o mesmo, o que esse Verão lhes trouxera. Ele encarregou-se da louça, como fazia todas as noites. Haviam acordado assim, uns anos antes, na Primavera do seu amor; - Eu passarei a ferro, tu ficarás com a louça, aceitas? – Questionara-lhe. Ele aceitara prontamente; - Sim, aceito – Tal como num outro dia, num casamento simulado, sem padrinhos nem convidados, também a aceitara.
Adormeceu no sofá nessa noite, em frente à televisão. Já não sentia o quarto seu. Ainda assim, não iria deixar de se deitar ao lado dela. Não, não iria. No percurso para o leito, um copo de água na cozinha, quase lhe afogou a pouca coragem, que ainda tinha, para abrir a porta. Ela dormia. Tão ali, tão longe. - Talvez estivesse onde passava os dias. Com quem passava os dias, imaginou.
Ali deitado, tão próximos, o sono não lhe chegava. Ele precisava de saber o que os afastava. Ela não falava sobre isso. Na última conversa deles, ela dissera-lhe que era uma fase – Todos os casais as têm, certo? – Talvez, mas que interessavam os outros casais?...
Por isso levantou-se. E quis escrever. Ele escrevia. Só para si, escrevia. Versos tristes, ultimamente. E lembrou-se dos tempos em que os escreveu alegres, felizes. Esses versos que lhes foram os dias.
Algo nos seus sentidos, em todos eles, mais no sexto, talvez, lhe disse que a resposta, à crise deles, poderia estar junto daqueles versos; Os alegres, os felizes. Foi então ao escritório para reler essa felicidade, distante, que se encontrava agora fechada, atrofiada numa gaveta. Abriu-a. E tirou folhas, debaixo de folhas que estavam por baixo de folhas. E dentro da noite, já madrugada, deixou-se conduzir pelos escritos. Cada poema a um momento, devorado também, intensamente.
Mas uma das folhas não trouxe a sua letra. Trouxe-lhe um branco, o que isso possa ser, um frio ao corpo que lhe gelou as veias, que as ía congelando, à medida da leitura.
Só quando terminou de ler é que viu uma mancha, na mancha que era aquele texto. A lágrima, que nem se apercebera que caíra, havia borratado aquele texto, texto que acabara de lhe borratar o futuro. O texto chorava.
Pousou a folha. Na varanda esperava-o um cigarro. Depois outro. E ainda um terceiro, durante o qual decidiu que era tempo de fazer as malas.

Voltaria, durante a ausência dela, para recolher os seus pertences. Por ora levaria apenas alguma roupa, a suficiente para uns dias.

Tudo estava já no carro. Do mais importante, faltava apenas ele, lá. Resolveu fazer suas as palavras dela, daquele texto, e depois de assinar, colou a folha no espelho da casa de banho, onde ela o veria, no lugar do reflexo da sua cara. Ou talvez para lhe fazer ver que, afinal, aquelas palavras, iriam ser sempre para ele, de em diante, a cara que lhe veria!


"Talvez seja covardia minha. Se não encontrei outra forma, serei covarde sim. É-me menos difícil assim, e assumi menos difícil também para nós, assim, por escrito. Porque não soluço, assim. Porque não nos vemos as lágrimas, assim. Porque assim não verás as palavras que corrigi, antes de concluir que estas serão as menos erradas, as menos dolorosas. Porque todas as palavras seriam dolorosas, resistiram estas. Porque se falasse, estaria falado e a correcção do que se fala, nunca o é totalmente. Porque se falasse, elas, as palavras, me trairiam, me abandonariam a uma sorte muda.
Não querido, não entrou outra pessoa na minha vida, no meu coração. A minha vida és tu, há tanto, tanto tempo. Há tanto tempo, ou tão intensamente, que me esqueci que tenho uma, que tinha uma. Fizeste-me sair de mim, sem que o notasse, sem que o pedisses ou quisesses. E vivi a tua, tenho vivido a tua numa nossa vida. E foi bom, durante o tempo que não senti saudades minhas. E agora sei que a quero recuperar. No ponto onde deixei de ser só eu. No ponto onde me sentia insegura, antes de ti, antes de amar-te. E o meu amor por ti, ainda que possas não acreditar, aumenta, a cada dia, aumenta. E acovarda-me o receio de um fim, vindo de ti. Falta-me a confiança num "nós" eterno, na nossa mortal eternidade. Por isso parto, meu querido. Porque não posso amar-te mais, para que possa amar-te para sempre! E quero muito, querido, eu quero muito e vou, sim, vou amar-te no meu sempre."

quinta-feira, setembro 10, 2009

O Inte louco tual

Pois se um burro não se pode passar por inteligente, já o contrário será perfeitamente possível!
Então, quantos burros andarão por aí que não o são, por simplesmente se camuflarem?

E certos géneros de loucura? Não poderão estar no mesmo nível?

Não sei se sei de que lado vos "falo". Se do lado do louco, se do outro extremo. Julgo que sempre estive do mesmo lado, por isso, sem termo de comparação, torna-se difícil localizar-me com precisão. Adiante, que não há nada de especial para ler e o tempo escasseia.

Inteligência será, porventura, mais do que ter respostas, ter perguntas! Será a busca a que a pergunta obriga, que mexe com o saber. Não propriamente a resposta em si (correcta ou não). Muitas terão sido as vezes, em que a resposta a uma determinada pergunta, foi considerada correcta, algumas durante séculos, para posteriormente se constatar que afinal… Não era.
Em alguns casos, a constatação de que algo tido como adquirido era falso, ter-se-á dado de uma forma natural. Flagrante, talvez. Por outro lado, terá sido a permanente interrogação em relação à veracidade de outras, que terá ajudado a que se tenha feito luz. Ainda ajudará.
O "só sei que nada sei", terá aparecido algures no meio de muitas perguntas, de muitas buscas de respostas, digo eu!

Sou da mesma opinião dos que consideram que a inteligência pode até prejudicar a própria saúde. Alguns defenderão que ao prejudicar a saúde, já não será inteligência, eu não concordo com esta teoria. Penso que a sensibilidade é característica apenas das pessoas inteligentes e que será precisamente o "elo menos forte" do cérebro. Às vezes quebra e nestes casos poderá deixar fluir a sanidade. É simplesmente uma opinião, vale-o-que-vale, portanto, deve valer alguma coisa (digo eu, outra vez).

- Coitado, "era" um cérebro. Se calhar por isso é que deu em doido!
- Foi do estudo. Era tão inteligente! Passava a vida a estudar, acabou assim.
- Olha, os matemáticos têm todos pancada! (esta então!!!)
- (…)

Umas quantas expressões conhecidas, que associam (alguma) inteligência à loucura, à insanidade. Hipoteticamente, alguns casos em que o elo que refiro terá cedido.

Talvez a loucura seja o clímax da inteligência!

Fico-me por aqui, que tenho consulta de psiquiatria agora.

(E não me lembro se vou consultar ou ser consultado…)